Rover da Nasa detecta "mini-relâmpagos" em Marte

Por Will Dunham

WASHINGTON, 26 Nov (Reuters) - O rover Perseverance, da Nasa, obteve evidências de que a atmosfera de Marte é eletricamente ativa, detectando descargas elétricas -- que um cientista chamou de "mini-relâmpagos" -- muitas vezes associadas a redemoinhos chamados dust devils (demônios da poeira) que passeiam pela superfície do planeta.

O rover de seis rodas que explora Marte desde 2021 em um local chamado Cratera Jezero, em seu hemisfério norte, captou as descargas elétricas em gravações eletromagnéticas e de áudio com o instrumento de sensoriamento remoto SuperCam, disseram os pesquisadores.

Este é o primeiro registro de atividade elétrica na fina atmosfera marciana.

"Essas descargas representam uma descoberta importante, com implicações diretas para a química atmosférica marciana, o clima, a habitabilidade e o futuro da exploração robótica e humana", disse o cientista planetário Baptiste Chide, do Instituto de Pesquisa em Astrofísica e Planetologia da França, principal autor do estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature.

"As cargas elétricas necessárias para essas descargas provavelmente influenciam o transporte de poeira em Marte, um processo fundamental para o clima do planeta e que permanece pouco compreendido. Além disso, essas descargas eletrostáticas podem representar um risco para os equipamentos eletrônicos das missões robóticas atuais -- e até mesmo um perigo para os astronautas que um dia vão explorar o Planeta Vermelho", disse Chide.

Os pesquisadores analisaram 28 horas de gravações de microfone feitas pelo rover em um período de dois anos marcianos, detectando 55 descargas elétricas, geralmente associadas a dust devils e frentes de tempestade de poeira.

"Não detectamos relâmpagos segundo a definição comum. Era uma pequena faísca, talvez com alguns milímetros de comprimento, não era realmente um raio. Parecia uma faísca ou um estalo de chicote", disse o cientista planetário e coautor do estudo Ralph Lorenz, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, em Maryland.

Dezesseis das descargas elétricas foram registradas durante os dois encontros próximos do Perseverance com os dust devils.

Outro estudo publicado em outubro documentou como os dust devils são uma característica comum em Marte, um planeta seco e empoeirado, com duas espaçonaves em órbita detectando velocidades de vento que atingem cerca de 158km/h nesses redemoinhos que içam a poeira para a atmosfera.

A dinâmica interna dos dust devils dá origem às descargas elétricas.

"Eu os chamaria de 'mini-relâmpagos'", disse Chide. "Os fenômenos são causados pelo atrito de minúsculos grãos de poeira que se esfregam uns contra os outros no ar, o que acumula elétrons e depois libera sua carga como arcos elétricos de apenas alguns centímetros de comprimento, acompanhados por ondas de choque audíveis."

O fenômeno é chamado de triboeletricidade.

"Pense em um dia ensolarado e seco, quando você caminha sobre um tapete ou uma superfície de borracha e aproxima sua mão da maçaneta de uma porta. A pequena faísca que você pode gerar e, portanto, experimentar, é o mesmo tipo de descarga eletrostática que detectamos com a SuperCam no Perseverance", disse o cientista planetário e coautor do estudo Franck Montmessin, da agência de pesquisa francesa CNRS e do laboratório de pesquisa LATMOS.

Há muito se suspeitava de atividade elétrica na atmosfera marciana.

"O que observamos é resultado de uma instrumentação excepcionalmente sensível que observa por um longo período, de modo que podemos detectar descargas muito pequenas, com a energia aproximada de uma ignição de automóvel", disse Lorenz.

Marte se junta à Terra, Saturno e Júpiter como planetas conhecidos por terem atividade elétrica atmosférica. Embora ainda não tenha sido documentado, outros mundos do nosso sistema solar também podem ter essa característica, incluindo os planetas Vênus e Urano e a Lua de Saturno, Titã, de acordo com os pesquisadores.

"A atmosfera de Marte estava parecendo muito favorável à eletrificação: cheia de poeira, seca e turbulenta", disse Chide. "Nos desertos terrestres da Terra, a eletrificação da poeira e da areia é bem documentada, mas raramente resulta em descargas elétricas reais. Em Marte, no entanto, a fina atmosfera de dióxido de carbono torna esse fenômeno muito mais provável, pois a quantidade de carga necessária para gerar faíscas é muito menor do que na Terra."

A SuperCam registrou os primeiros sons marcianos em 2021, logo após o pouso do Perseverance.

"Desde então, ela tem sido usada diariamente para ouvir a atmosfera, compilando uma lista de reprodução de mais de 30 horas de sons do Planeta Vermelho: o uivo do vento, o zumbido das pás do helicóptero Ingenuity (implantado pelo rover) e, agora, uma nova faixa: descargas eletrostáticas", disse Chide.

(Reportagem de Will Dunham)

((Tradução Redação Brasília))

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