ANÁLISE-Falências de empresas automotivas nos EUA mostram crescente dificuldade de crédito em famílias de baixa renda

Por Davide Barbuscia e Saeed Azhar e Anirban Sen

NOVA YORK, 30 Set (Reuters) - Duas falências no setor automotivo abalaram partes do mercado de crédito dos EUA, levantando preocupações sobre uma deterioração na saúde financeira de famílias de baixa renda e comunidades de migrantes.

A fabricante de autopeças First Brands se tornou a mais recente empresa a se desfazer (link), entrando com pedido de recuperação judicial na segunda-feira, após a recente falência da financiadora de veículos subprime Tricolor Holdings. Embora ambas as empresas tivessem razões idiossincráticas para o colapso, elas alimentaram temores de um estresse mais amplo.

"Pelo que posso perceber, o mercado parece preocupado", disse Campe Goodman, gestor de portfólio de renda fixa da Wellington Management, que disse que os spreads em títulos lastreados em ativos (ABS) para alguns credores ao consumidor haviam se ampliado significativamente.

Os ABS permitem que credores de automóveis agrupem empréstimos em títulos negociáveis, fornecendo-lhes dinheiro e transferindo o risco de crédito aos investidores.

"Há alguns problemas específicos de cada uma dessas duas empresas... Dito isso, muitas vezes essas coisas acontecem em um ambiente onde as coisas estão mudando", disse Goodman.

Ele apontou para um enfraquecimento na saúde do consumidor e mudanças políticas que impactam segmentos de baixa renda da população, como alterações nas regras de imigração (link).

A First Brands enfrentou dificuldades após uma tentativa frustrada de refinanciar sua dívida no início deste ano, que fracassou quando investidores pediram uma análise mais detalhada de seus livros, de acordo com duas fontes familiarizadas com o assunto.

Uma das pessoas familiarizadas com o assunto disse que os problemas da First Brands foram agravados pelo impacto das tarifas em seus negócios.

O colapso (link) vem na esteira da falência da empresa de empréstimos automotivos subprime Tricolor Holdings (link).

O administrador nomeado pelo tribunal do Tricolor não respondeu imediatamente a um pedido de comentário fora do horário comercial.

Steve Edwards, estrategista sênior de investimentos da Morgan Stanley Wealth Management, disse que, embora os mercados de crédito continuem a encarar esses casos como problemas específicos da empresa, eles podem revelar fraquezas subjacentes em certos segmentos do mercado consumidor.

Consumidores de baixa renda foram afetados pelas altas taxas de juros, pela crescente fraqueza do mercado de trabalho e pelas tarifas, disse ele.

"Nesse contexto, a inadimplência de empréstimos para consumidores de baixa renda não deve ser uma grande surpresa", disse ele.

SINAIS DE ESTRESSE

Sinais de tensão estão surgindo nos mercados de crédito dos EUA vinculados à dívida automotiva. Os spreads do Índice ICE BofA AA-BBB US Fixed Rate Automobile ABS – uma medida do rendimento extra que os investidores exigem em relação aos títulos do Tesouro (Treasuries) para manter esses títulos – aumentaram em mais de 20 pontos-base neste mês.

Ainda assim, o mercado de crédito corporativo dos EUA — tanto de grau de investimento quanto de alto rendimento — permanece estável, com as negociações registrando um aumento notável após o corte da taxa de juros pelo Federal Reserve.

O Índice Corporativo ICE BofA dos EUA, referência para títulos com grau de investimento, mostra que os spreads diminuíram seis pontos-base desde o início de setembro. Até mesmo a dívida de alto rendimento, mais arriscada, encolheu, com spreads caindo cerca de 10 pontos-base.

Um sinal de mercado de crédito robusto é a mais recente aquisição alavancada (link) da desenvolvedora de videogames Electronic Arts EA.O, que concordou em se vender a um grupo de investidores privados em um acordo que avalia a criadora de "Battlefield" e "Madden NFL" em US$ 55 bilhões.

Um banqueiro de Wall Street disse que havia uma história de duas economias diferentes, onde os mais ricos estavam se beneficiando dos ganhos com o patrimônio imobiliário e com os ganhos do mercado de ações, enquanto alguns daqueles com rendas mais baixas estavam sob pressão.

ESTRESSE SUBPRIME

Financiamentos para veículos são um segmento do mercado de financiamento ao consumidor que vem enfrentando dificuldades recentemente. Rikard Bandebo, economista-chefe da VantageScore, que desenvolve modelos de pontuação de crédito, disse que sua empresa tem observado taxas de inadimplência em financiamentos para veículos continuarem a atingir níveis históricos.

"Famílias de baixa renda continuam a ter taxas de inadimplência mais altas, mas suas taxas de inadimplência se estabilizaram no último ano e meio, enquanto as taxas de inadimplência em famílias de renda média e alta estão aumentando", disse Bandebo.

Analistas disseram que empresas como a Tricolor, com operações em seis estados, estavam expostas a tendências que afetavam trabalhadores de baixa renda.

A Tricolor vendeu carros e forneceu empréstimos para veículos principalmente para comunidades hispânicas de baixa renda no sudoeste dos Estados Unidos, dizendo que viu uma oportunidade de atender trabalhadores "invisíveis" sem acesso a contas bancárias ou outras formas de crédito.

Analistas disseram que o mercado de automóveis de baixa renda foi prejudicado pela acessibilidade, já que os preços dos carros usados dispararam após a pandemia, assim como os custos dos empréstimos.

"Os consumidores subprime financiam desproporcionalmente veículos usados, cujos valores permanecem teimosamente altos após as interrupções relacionadas à pandemia", disse Satyan Merchant, vice-presidente sênior de negócios automotivos e hipotecários da empresa de crédito ao consumidor TransUnion.

"Além dos pagamentos de veículos, os custos de seguro e manutenção também aumentaram mais rápido do que a inflação geral, colocando pressão adicional sobre famílias de baixa renda com renda disponível limitada."