Por Howard Schneider
WASHINGTON, 23 Abr (Reuters) - Os banqueiros centrais globais que se acostumaram a ver o Federal Reserve dos EUA como uma fonte de estabilidade enfrentam agora um período imprevisível em que as decisões de política monetária do Fed estão sendo levadas em direções conflitantes e a independência da instituição pode estar em risco.
As próximas escolhas de política monetária do Fed representam um problema, com a possibilidade de que, à medida que outros bancos centrais reduzem as taxas em resposta à desaceleração do crescimento, os EUA precisem de uma política monetária rígida para evitar a inflação impulsionada pelas tarifas, uma divergência que pode estressar os mercados de financiamento em dólares e tornar o financiamento mais caro para os países menos desenvolvidos em particular.
Outra questão, talvez mais fundamental, é saber se o Fed pode permanecer acima dos embates políticos diante dos ataques do presidente dos EUA, Donald Trump, que expressou repetidamente seu descontentamento com a atuação do Fed e de seu chefe, Jerome Powell.
A perda da independência do Fed prejudicaria uma instituição que, desde a década de 1980, se tornou uma espécie de bem público global, ajudando a ancorar uma inflação moderada e taxas de juros modestas, além de garantir que o dinheiro continuasse fluindo pela economia global durante a crise financeira de 2007 a 2009 e a pandemia.
Nas reuniões desta semana do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, as autoridades, já preocupadas com os esforços de Trump para reescrever o sistema de comércio global e com o esperado abalo disso no crescimento, também esperavam que uma lição importante da ordem pós-Segunda Guerra Mundial não fosse perdida.
"O que é realmente importante aqui é garantir que os bancos centrais sejam capazes de fazer o que é necessário para ancorar as expectativas de inflação e isso exige que todos entendam e confiem que eles responderão", disse o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, em uma entrevista à Reuters. "A credibilidade dos bancos centrais é absolutamente essencial, e a independência do banco central é um componente fundamental para isso."
Os bancos centrais independentes são considerados melhores no controle da inflação porque podem impor taxas de juros elevadas e condições de crédito rigorosas, mesmo que isso desacelere o crescimento, aumente o desemprego e diminua a popularidade das autoridades eleitas.
Em comentários na semana passada, quando questionada sobre uma possível perda de independência do Fed, a presidente do banco central Europeu, Christine Lagarde, disse que a relação de trabalho entre o Fed e o BCE, que juntos supervisionam cerca de 40% da economia global, foi "decisiva para termos uma infraestrutura financeira sólida".
"Já demonstramos no passado que podemos realmente operar com base em consultas e compreensão do risco financeiro, e continuaremos a fazê-lo de forma inabalável e inalterada, tenho certeza."
MERCADOS INSTÁVEIS
Foi quando o BCE estava prestes a cortar sua taxa de juros na semana passada que Trump levantou a possibilidade de tentar demitir Powell porque ele não estava reduzindo os custos dos empréstimos.
Não está claro se Trump poderia demitir Powell sem um motivo convincente não relacionado à política monetária e, na noite de terça-feira, ele recuou e disse que "não tinha intenção" de tentar demitir o chair do Fed.
Mas a possibilidade perturbou ainda mais os mercados, já abalados pelos planos tarifários de Trump, e destacou que, mesmo que Powell permaneça como chair até o final de seu mandato em maio de 2026, haverá uma transição quando o presidente escolher um sucessor.
"Tivemos uma série realmente decente de pessoas à frente do Fed, meio que capturadas pela gravidade do cargo", disse Ed Al-Hussainy, analista sênior de taxas da Columbia Threadneedle. "A melhor aposta é que a próxima pessoa seguirá o mesmo caminho... Mas, obviamente, este é agora um jogo mais intenso e os resultados podem ser mais extremos."
"Como não desconfiar de quem quer que seja nomeado para esse cargo em 2026?", escreveu o analista macro global do TSLombard, Dario Perkins. "Trump claramente quer definir a política monetária por procuração. A história celebra os banqueiros centrais que resistem à pressão política, não os que cedem. Qualquer pessoa que entenda isso certamente teria grandes reservas."
Powell diz achar que a independência do Fed está assegurada pela legislação dos EUA e tem amplo apoio bipartidário no Congresso "onde realmente importa". O Senado confirma as nomeações do Fed feitas pelo presidente.
Programas importantes, como empréstimos garantidos em dólares para outros bancos centrais, continuarão funcionando, disse Powell, porque é benéfico para os EUA garantir que os mercados de ativos lastreados em dólares continuem funcionando.
Grande parte da atenção do Fed às questões econômicas e financeiras globais se baseia em fundamentos semelhantes. Embora os formuladores de políticas do Fed digam que suas decisões estão baseadas nas condições econômicas internas, as possíveis repercussões dos mercados internacionais sobre o crescimento, o emprego e a inflação dos EUA fazem parte dessa análise.
Trump, por outro lado, parece querer criar uma distância entre a economia dos EUA e o resto do mundo, fato que pode influenciar sua escolha do sucessor de Powell e pode já estar remodelando os mercados financeiros mundiais.
À medida que os planos tarifários de Trump se desenrolavam, a queda simultânea do dólar e dos mercados acionários dos EUA e um salto nos rendimentos dos Treasuries pelo menos sugeriram que o status de porto seguro do país pode ter sido atingido.
Em uma análise recente, os economistas do Instituto de Finanças Internacionais (IIF) disseram que agora preveem uma "pequena recessão" nos EUA no final deste ano, em grande parte impulsionada pelas políticas do governo.
"No caso dos Estados Unidos, a linha que separa a fraqueza cíclica da engenharia deliberada de políticas está cada vez mais tênue", escreveram Marcello Estevao, diretor administrativo e economista-chefe do IIF, e o economista sênior Jonathan Fortun. "Em vez de sofrer um choque externo tradicional... os Estados Unidos agora enfrentam uma desaceleração mais fabricada."
O Fed, por sua vez, pode ser prejudicado pela inflação que aumenta mesmo com a desaceleração da economia, o que exige uma avaliação complicada sobre se essas pressões sobre os preços desaparecerão por conta própria.
Em comentários na semana passada, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse que, após os últimos anos em que os bancos centrais se alinharam para apoiar a economia global durante a pandemia e depois para conter a inflação, essa política pode estar em uma encruzilhada.
"Estamos em um ponto em que não será a mesma coisa para todos", disse ela, com alguns países sobrecarregados pela desaceleração do crescimento e outros em que "menos produtos, produtos mais caros... podem aumentar a inflação".
((Tradução Redação São Paulo))
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