
Por Ana Mano e Manuela Andreoni
SÃO PAULO, 29 Dez (Reuters) - Algumas das maiores empresas de comercialização de soja do mundo estão se preparando para romper o acordo que visa reduzir o desmatamento da Amazônia a fim de preservar os benefícios fiscais no principal estado agrícola do Brasil, disseram à Reuters duas pessoas com conhecimento direto do assunto.
As empresas que estão saindo da chamada Moratória da Soja na Amazônia, que salvou milhões de hectares de floresta tropical ao longo de quase duas décadas, estão buscando se proteger de uma nova lei estadual no Mato Grosso, disseram as fontes sob condição de anonimato.
A partir de janeiro, o estado deixará de conceder incentivos fiscais às empresas participantes do programa de conservação. Mato Grosso cultivou cerca de 51 milhões de toneladas de soja em 2025, mais do que a Argentina (link).
Um relatório preliminar de auditores estaduais divulgado em abril constatou que comerciantes de grãos se beneficiaram de incentivos fiscais no valor aproximado de 4,7 bilhões de reais (US$840 milhões) entre 2019 e 2024.
A ADM ADM.N e a Bunge BG.N foram as principais beneficiárias de incentivos fiscais, recebendo cerca de 1,5 bilhão de reais (US$269 milhões) cada uma, disse Sergio Ricardo, chefe do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.
As empresas americanas ADM, Bunge e Cargill, assim como a chinesa Cofco e a brasileira Amaggi, são signatárias do pacto e possuem instalações no Mato Grosso que se beneficiaram de incentivos fiscais estaduais. Não ficou claro quais dessas empresas romperiam imediatamente com a moratória.
A Cargill encaminhou as perguntas ao grupo industrial Abiove, que não respondeu aos pedidos de comentários. ADM, Bunge, Cofco, Amaggi e o grupo exportador de grãos Anec também não responderam às perguntas.
"A maioria das empresas optará por não perder os incentivos fiscais e se retirará do acordo", disse uma das fontes, acrescentando que as saídas encerrariam efetivamente um pacto assinado em 2006 com o governo federal e grupos de conservação.
A moratória é considerada uma das forças mais importantes para a desaceleração do desmatamento na Amazônia brasileira nas últimas duas décadas, pois impede que os signatários comprem soja de agricultores que plantam em terras desmatadas após julho de 2008 (link).
Pesquisadores estimam que uma área da floresta tropical do tamanho da Irlanda teria sido perdida para plantações de soja no Brasil sem a moratória e os esforços de conservação relacionados (link), em comparação com o ritmo de expansão em países vizinhos como a Bolívia.
A lei do Mato Grosso, aprovada pelos parlamentares em 2023, é o exemplo mais recente de um retrocesso global em relação a pactos e políticas para conter as mudanças climáticas, mesmo com as temperaturas batendo recordes, impulsionadas pelo aumento do uso de combustíveis fósseis e pelo desmatamento.
Os críticos da moratória da soja afirmam que o pacto restringe o mercado e prejudica os agricultores. Grupos de agricultores em Mato Grosso dizem que o protocolo reduz a renda e o desenvolvimento econômico do estado.
"As empresas podem optar por manter seus compromissos de desmatamento zero", disse Cristiane Mazzetti, que supervisiona a moratória para o Greenpeace. "É um precedente perigoso e não é o que precisamos em um momento de emergência climática", acrescentou.
O governo federal brasileiro contestou judicialmente a nova lei do Mato Grosso que retira isenções fiscais de comerciantes devido a seus compromissos ambientais.
"Se o governo do Mato Grosso realmente remover esses incentivos, ouvimos dizer que algumas, ou muitas, empresas irão de fato abandonar a moratória por razões econômicas", disse André Lima, autoridade de alto escalão do Ministério do Meio Ambiente encarregado do combate ao desmatamento. Ele acrescentou que as empresas não informaram oficialmente o ministério sobre seus planos.
CONSEQUÊNCIAS DE LONGO ALCANCE
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu uma "transformação ecológica" da economia brasileira, culminando com a cúpula climática das Nações Unidas realizada na Amazônia no mês passado.
Mas na política interna, seu governo de esquerda frequentemente trava uma batalha de retaguarda (link) para proteger a maior floresta tropical do mundo de um lobby agrícola que detém a maior influência no Congresso.
O fim da moratória da soja na Amazônia provavelmente encorajará esses poderosos líderes rurais e seus aliados. Este ano, o lobby agrícola conseguiu enfraquecer as leis de licenciamento ambiental (link) e retirou algumas proteções das terras indígenas (link).
Essa tendência chamou a atenção de grupos de agricultores na Europa, que defendem o bloqueio de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul (link) devido ao impacto do agronegócio brasileiro em ecossistemas vitais.
O Supremo Tribunal Federal do Brasil vetou parte, mas não a totalidade, da agenda do lobby agrícola no Congresso, com base nas proteções constitucionais ao meio ambiente e aos povos indígenas.
Ambientalistas alertam que o fim da moratória da soja pode abrir caminho para o desmantelamento de outras proteções ambientais no maior produtor mundial de soja, incluindo parte do código florestal brasileiro que restringe os agricultores de derrubar árvores em 80% de suas propriedades na Amazônia.
Nos últimos anos, os produtores de soja pressionaram os parlamentares estaduais do Mato Grosso, Rondônia e Maranhão para que retirassem os benefícios fiscais das empresas que participam de pactos ambientais mais restritivos do que a legislação brasileira.
Ainda não está claro quais compromissos ambientais fora da moratória da soja irão desencadear essas novas leis estaduais, que podem ameaçar uma série de outras empresas, incluindo produtoras de celulose e frigoríficos.
O CADE, órgão antitruste brasileiro, abriu uma investigação separada (link) da moratória da soja por uma potencial violação das regras de concorrência. Por quase duas décadas, as empresas de comercialização têm compartilhado o custo do monitoramento das fazendas de soja na Amazônia para evitar comprar de produtores que plantam em terras recentemente desmatadas.
A partir de janeiro, o CADE ordenou aos comerciantes que "se abstenham de coletar, armazenar, compartilhar ou divulgar informações comerciais relacionadas à venda, produção ou aquisição de soja".
Os produtores de soja do Mato Grosso também processaram os comerciantes de grãos (link) por cerca de 180 milhões de dólares devido ao seu papel no acordo.
Em decisões provisórias, o ministro da Suprema Corte Flavio Dino suspendeu a investigação antitruste, mas permitiu que a lei de Mato Grosso entrasse em vigor (link). Grupos ambientalistas ainda estão tentando bloquear a lei estadual antes de uma decisão judicial final sobre o assunto.
(US$ 1 = 5,56 reais)