MOSCOU, 31 Jul (Reuters) - A exigência do presidente dos EUA, Donald Trump, de que a Índia interrompa as importações de petróleo russo pode ameaçar bilhões em receitas russas, levar Moscou a retaliar interrompendo um importante oleoduto liderado pelos EUA e potencialmente levar a uma nova crise de abastecimento global.
A Índia, o terceiro maior importador de petróleo do mundo, tornou-se o maior comprador de petróleo russo desde 2022, adquirindo até 2 milhões de barris por dia de petróleo, o que representa 2% da oferta global. Outros grandes compradores são a China e a Turquia.
A rota indiana é tão importante para o Kremlin que, se for interrompida, poderá levá-lo a retaliar fechando o oleoduto CPC do Cazaquistão, onde as grandes petrolíferas americanas Chevron e Exxon têm grandes participações, disseram analistas do JP Morgan esta semana.
"A Rússia não está sem influência", disse o banco norte-americano.
Trump tem ameaçado impor tarifas de até 100% aos países que compram petróleo russo, a menos que Moscou chegue a um acordo de paz com a Ucrânia até 7-9 de agosto. Uma tarifa de 25% sobre todas as importações norte-americanas de produtos da Índia começa nesta sexta-feira.
A Reuters informou na quinta-feira que as refinarias estatais indianas interromperam as compras de petróleo russo nesta semana em meio às ameaças de Trump.
REALINHAMENTO
A Índia só começou a comprar grandes quantidades de petróleo da Rússia, o segundo maior exportador de petróleo do mundo, a partir de 2022. O país se tornou um dos principais importadores depois que a Europa, o antigo principal cliente da Rússia, impôs uma proibição ao petróleo russo por causa de suas ações militares na Ucrânia. A gigante russa do petróleo Rosneft tem uma participação importante em uma das maiores refinarias de petróleo da Índia.
A Índia agora depende em 35% das importações de petróleo russo no valor de US$50,2 bilhões no ano fiscal de 2024-25, de acordo com dados do governo indiano.
"Cortar esse fluxo exigiria um realinhamento maciço dos fluxos comerciais", disse Aldo Spanjer, do BNP Paribas, acrescentando que a oferta global já estava sobrecarregada.
A Índia compra todas as variedades e graus de petróleo russo -- incluindo o Urals dos portos ocidentais, o ESPO e o Sokol do Pacífico e alguns graus do Ártico, de acordo com dados da LSEG.
O Urals seria o mais afetado se a Índia parasse de comprar, já que adquire até 70% do maior grau de exportação da Rússia em volume. O ministro do petróleo da Índia disse que o país pode encontrar um suprimento alternativo.
A Índia precisaria aumentar as importações de petróleo bruto dos EUA e do Oriente Médio ou cortar as operações de refino, o que levaria a um aumento nos preços do diesel, especialmente na Europa, que importa combustível da Índia.
"As refinarias indianas ainda terão dificuldades para substituir a qualidade pesada do petróleo russo e, por isso, podem acabar reduzindo a produção", disse Neil Crosby, da Sparta Commodities.
RENDA EM QUEDA
A Rússia tem conseguido continuar vendendo petróleo desde 2022, apesar das sanções internacionais, embora o venda com descontos em relação aos preços globais.
A queda dos preços globais significa que a receita da Rússia já está sob pressão. Sua receita de petróleo e gás caiu 33,7% no comparativo anual em junho, atingindo o valor mais baixo desde janeiro de 2023, segundo dados do Ministério das Finanças. As receitas cairão 37% em julho devido aos preços globais mais fracos do petróleo e a um rublo forte, segundo cálculos da Reuters.
As empresas russas precisarão armazenar petróleo em navios-tanque se a Índia parar de comprar, pagando mais dinheiro pelas despesas de transporte e sendo forçadas a oferecer grandes descontos a novos compradores, disseram os operadores.
Uma perda de 2 milhões de bpd de exportações também pode levar a Rússia a começar a reduzir gradualmente a produção de petróleo dos níveis atuais de 9 milhões de bpd, disseram os operadores. A produção atual da Rússia é regulada pelas cotas da Opep+.
COMO A RÚSSIA PODE REAGIR?
A Rússia poderia potencialmente desviar cerca de 0,8 milhão de bpd de petróleo para Egito, Malásia, Paquistão, Peru, Brunei, África do Sul e Indonésia, disse o JP Morgan.
Moscou também poderia interromper o oleoduto CPC para garantir que o Ocidente sinta a dor dos preços mais altos do petróleo. As empresas petrolíferas ocidentais Exxon, Chevron, Shell, ENI e TotalEnergies enviam até 1 milhão de bpd pelo CPC, que tem capacidade total de 1,7 milhão de bpd.
"Se tivermos uma dificuldade visível e substancial para liberar o petróleo bruto russo e Putin fechar o CPC, os preços do petróleo poderão ficar bem acima de US$80 por barril, possivelmente muito mais", disse Crosby.
O oleoduto CPC atravessa o território russo e o consórcio entrou em conflito com Moscou, que ordenou a suspensão das operações por vários dias em 2022 e 2025, citando regulamentações ambientais e de navios-tanque.
A interrupção combinada dos fluxos do CPC e da Rússia para a Índia criaria uma interrupção de 3,5 milhões de bpd ou 3,5% do fornecimento global.
"O governo Trump, assim como seus antecessores, provavelmente considerará inviável sancionar o segundo maior exportador de petróleo do mundo sem aumentar os preços do petróleo", disse o JP Morgan.
(Reportagem dos repórteres da Reuters em Moscou, Seher Dareen em Londres e Nidhi Verma em Nova Délhi)
((Tradução Redação São Paulo))
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