Por David Ljunggren e Michel Rose e Alistair Smout
OTTAWA/PARIS/LONDRES, 1 Ago (Reuters) - Quando Espanha, Irlanda e Noruega anunciaram em maio de 2024 que reconheceriam um Estado palestino, os aliados mais próximos de Israel rejeitaram a medida por considerá-la inútil para resolver a crise em Gaza.
Embora França, Reino Unido e Canadá tenham enfatizado seu apoio ao estabelecimento de dois estados com fronteiras reconhecidas como a solução de longo prazo para o conflito israelense-palestino, eles estavam receosos de a iniciativa ser vista como uma forma de recompensar o Hamas, prejudicando as relações com Israel e Washington e desperdiçando capital diplomático.
"Não farei um reconhecimento 'emocional'", disse o presidente francês Emmanuel Macron na época.
Mas, à medida que as restrições israelenses à ajuda intensificavam a crise humanitária em Gaza, com o fim de uma trégua de dois meses em março as negociações começaram para valer. O movimento levou três das principais economias ocidentais do G7 a definir planos para reconhecer um Estado palestino em setembro.
IMPULSO DE RECONHECIMENTO
"A possibilidade de uma solução de dois Estados está sendo corroída diante de nossos olhos... esse foi um dos fatores que nos trouxeram a este ponto para tentar reverter, com parceiros, este ciclo", disse o primeiro-ministro canadense Mark Carney na quinta-feira.
França e Arábia Saudita formaram um plano para que mais países ocidentais avancem em direção ao reconhecimento palestino, enquanto os Estados árabes seriam pressionados a adotar uma linha mais forte contra o Hamas.
A dupla queria que suas propostas fossem aceitas em uma conferência das Nações Unidas em junho, mas elas tiveram dificuldades para ganhar força. Além disso, a reunião foi adiada devido aos ataques aéreos israelenses ao Irã e em meio à intensa pressão diplomática dos EUA.
Os ataques levaram a uma pausa nas críticas públicas a Israel por parte de aliados ocidentais, e os Estados árabes eram difíceis de serem convencidos, mas as discussões continuaram nos bastidores. Macron, Carney e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer se comunicaram regularmente por telefone e mensagens de texto durante junho e julho, de acordo com uma fonte canadense com conhecimento direto dos eventos.
O Canadá temia agir sozinho e o Reino Unido queria garantir que qualquer ação tivesse o máximo impacto, mas Macron foi mais estridente. O alarme aumentava com as imagens de crianças famintas, elevando os temores de que a ofensiva israelense em Gaza, combinada com os ataques de colonos contra palestinos na Cisjordânia, minaria ainda mais qualquer chance de criação de um Estado palestino soberano.
Em 24 de julho, Macron fez um anúncio surpresa de que a França reconheceria um Estado palestino na Assembleia Geral da ONU, em setembro.
Nem o Reino Unido nem o Canadá reagiram imediatamente. Mas a reação relativamente discreta do presidente dos EUA, Donald Trump -- afirmando que a declaração não tinha peso, mas que Macron ainda era um "cara legal" --, trouxe alguma garantia de que as consequências diplomáticas seriam administráveis se outros seguissem o mesmo caminho.
MACRON, STARMER, MERZ E CARNEY
Macron conversou com Starmer e o chanceler alemão Friedrich Merz dois dias depois para discutir uma "rota sustentável para uma solução de dois Estados", de acordo com o porta-voz de Starmer, pouco antes do primeiro-ministro se encontrar com Trump na Escócia.
Com Trump, Starmer pressionou para que se fizesse mais para ajudar Gaza, embora, de acordo com Trump, ele nunca tenha dito explicitamente que um plano de reconhecimento estava em pauta. O norte-americano criticou tal medida, afirmando que era como "recompensar o Hamas".
Com Trump ainda no Reino Unido na terça-feira, inaugurando um campo de golfe, Starmer convocou seu gabinete das férias de verão (no hemisfério norte) para obter aprovação para seu plano de reconhecimento. O Reino Unido reconheceria um Estado palestino em setembro, a menos que houvesse um cessar-fogo e um plano de paz duradouro de Israel.
Assim como Macron, Starmer avisou Carney com algumas horas de antecedência. Assim que o Reino Unido e a França agiram, o Canadá sentiu que precisava seguir o exemplo, de acordo com a fonte canadense.
"A cooperação internacional é essencial para garantir paz e estabilidade duradouras no Oriente Médio, e o Canadá fará o possível para ajudar a liderar esse esforço", disse Carney na quarta-feira, seis dias após o anúncio de Macron.
Em termos práticos, a decisão dos três países não mudará muita coisa. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, qualificou o reconhecimento como "irrelevante", enquanto seus outros principais aliados do G7 -- Alemanha, Itália e Japão -- não deram nenhuma indicação de que farão o mesmo.
Mais de três quartos dos 193 membros da Assembleia Geral da ONU já reconhecem, de forma independente, um Estado palestino. Mas a oposição dos EUA, com seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, impede que a organização admita a Palestina como membro pleno -- uma medida que efetivamente reconheceria um Estado palestino em nível global.
No entanto, Richard Gowan, diretor da ONU no International Crisis Group, disse que as declarações eram importantes "precisamente porque estamos vendo alguns grandes aliados dos EUA alcançando a maior parte do Sul Global na questão palestina na ONU".
"Isso torna um pouco mais difícil para Israel descartar o campo pró-reconhecimento como irrelevante."
(Texto de Rachel Armstrong; reportagem adicional de Michelle Nichols em Nova York, Matt Spetalnick em Washington, Kirsty Needham em Sydney)
((Tradução Redação São Paulo))
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