Por Charlotte Greenfield e Emily Rose
JERUSALÉM, 28 Jul (Reuters) - Duas organizações de direitos humanos de Israel disseram nesta segunda-feira que o país estava cometendo genocídio contra os palestinos em Gaza, tornando-se as primeiras vozes importantes na sociedade israelense a fazer a acusação mais forte possível contra o Estado, que nega veementemente.
O grupo de direitos humanos B'Tselem e a Médicos pelos Direitos Humanos Israel divulgaram seus relatórios em uma coletiva de imprensa em Jerusalém, dizendo que o país estava realizando "ações coordenadas e deliberadas para destruir a sociedade palestina na Faixa de Gaza".
"O relatório que publicamos hoje é algo que nunca imaginamos que teríamos que escrever", disse Yuli Novak, diretora executiva da B'Tselem. "O povo de Gaza foi deslocado, bombardeado e privado de comida, ficando completamente despojado de sua humanidade e direitos."
A organização Médicos pelos Direitos Humanos Israel se concentrou nos danos ao sistema de saúde de Gaza, dizendo: "As ações de Israel destruíram a infraestrutura de saúde de Gaza de uma maneira calculada e sistemática".
Israel tem se defendido de acusações de genocídio desde os primeiros dias da guerra de Gaza, incluindo um caso movido pela África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu condenou como "ultrajante".
Um porta-voz do governo israelense chamou a alegação feita pelos grupos de direitos humanos nesta segunda-feira de "infundada".
"Não há intenção, (o que é) fundamental para a acusação de genocídio... simplesmente não faz sentido para um país enviar 1,9 milhão de toneladas de ajuda, a maior parte sendo comida, se houver intenção de genocídio", disse o porta-voz David Mencer.
Um porta-voz do exército israelense não respondeu imediatamente ao pedido de comentário.
As acusações de genocídio são particularmente graves em Israel devido às origens do conceito no trabalho de juristas judeus após o Holocausto nazista. Autoridades israelenses já afirmaram que usar a palavra contra Israel era difamatório e antissemita.
Quando a Anistia Internacional disse em dezembro que Israel havia cometido atos genocidas, o Ministério das Relações Exteriores do país chamou o grupo de direitos globais de "organização deplorável e fanática".
A Convenção sobre Genocídio de 1948, adotada globalmente após o assassinato em massa de judeus pelos nazistas, define genocídio como "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".
Israel iniciou sua guerra em Gaza depois que combatentes liderados pelo Hamas atacaram comunidades israelenses do outro lado da fronteira, em 7 de outubro de 2023, matando 1.200 pessoas, a maioria civis, e levando 251 reféns de volta para Gaza. Israel frequentemente descreve aquele ataque, o dia mais mortal para os judeus desde o Holocausto, como genocida.
Desde então, a ofensiva de Israel matou quase 60.000 pessoas em Gaza, a maioria civis, de acordo com autoridades de saúde, reduziu grande parte do enclave a ruínas e deslocou quase toda a população de mais de dois milhões.
Israel tem dito consistentemente que suas ações são justificadas como legítima defesa, e o Hamas é o culpado por todos os danos causados aos civis, por se recusar a libertar reféns e se render, e por operar em áreas civis, o que o grupo nega.
SITUAÇÃO PALESTINA
A atenção internacional à situação dos palestinos em Gaza se intensificou nas últimas semanas, com agências da ONU dizendo que o território está ficando sem alimentos para seus 2,2 milhões de habitantes.
Israel, que controla todos os suprimentos que entram e saem de Gaza, afirma ter permitido o acesso de alimentos suficientes e culpa a ONU por não distribuí-los.
Israel cortou todo o fornecimento para Gaza em março por quase três meses, reabrindo o território em maio, mas com novas restrições que, conforme o país, são necessárias para evitar que a ajuda acabe nas mãos de combatentes. Desde então, suas forças mataram centenas de moradores de Gaza que tentavam chegar aos locais de distribuição de alimentos.
Israel anunciou medidas nos últimos dias para aumentar o fornecimento de auxílio, incluindo a suspensão dos combates em alguns locais, permitindo o transporte aéreo de alimentos e corredores mais seguros para a ajuda.
Ao longo do conflito, a mídia israelense tendeu a se concentrar principalmente na situação dos reféns israelenses em Gaza, com menos atenção aos civis palestinos. Imagens amplamente divulgadas em outros países da destruição e das vítimas em Gaza raramente são exibidas na TV israelense.
Isso está mudando, com imagens recentes de crianças famintas tendo um pouco mais de impacto, disse Oren Persico do The Seventh Eye, um grupo que monitora tendências na mídia israelense.
"Está evoluindo muito lentamente", disse. "Você vê rachaduras."
Mas ele não espera que a alegação de genocídio provoque uma grande mudança de atitude: "A percepção israelense é: 'o que vocês querem de nós? A culpa é do Hamas. Se ele apenas baixasse as armas e (libertasse) os reféns, tudo isso poderia acabar'".
Em um editorial no site de notícias Ynet, o jornalista Sever Plotzker disse que imagens de palestinos comemorando os ataques de 7 de outubro e abusando de reféns tornaram os israelenses "cegos em relação a Gaza". O público israelense "agora interpreta a destruição e os assassinatos em Gaza como uma retaliação dissuasiva e, portanto, também moralmente legítima".
Em um comentário no Jerusalem Post no domingo, Dani Dayan, presidente do memorial do Holocausto Yad Vashem de Israel, disse que não era correto acusar Israel de cometer genocídio.
"Mas isso não significa que não devamos reconhecer o sofrimento dos civis em Gaza. Há muitos homens, mulheres e crianças sem qualquer ligação com o terrorismo que estão sofrendo devastação, deslocamento e perdas", escreveu. "A angústia deles é real, e nossa tradição moral nos obriga a não nos desviar dela."
(Reportagem de Charlotte Greenfield e Emily Rose em Jerusalém; reportagem adicional de Maayan Lubell)
((Tradução Redação São Paulo))
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