Por Kanishka Singh e Ricardo Brito
WASHINGTON/BRASÍLIA, 9 Jul (Reuters) - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quarta-feira que os Estados Unidos irão impor uma tarifa de 50% sobre todas as exportações do Brasil para o país, e vinculou a decisão ao tratamento recebido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo julgado sob acusação de planejar um golpe de Estado.
As tarifas foram anunciadas após uma troca de farpas nesta semana entre Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse que o mundo não precisa de um "imperador", em referência ao presidente dos EUA.
Em uma carta endereçada a Lula, Trump disse que "a maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional".
Lula respondeu em nota oficial afirmando que qualquer medida unilateral de elevação de tarifas contra o Brasil será respondida com reciprocidade, e destacou que o Brasil é um "país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém".
Após o anúncio de Trump, o dólar futuro disparou mais de 2%ante o real e as ações de empresas brasileiras negociadas nos Estados Unidos como Embraer e Petrobras recuaram, em uma primeira reação dos mercados às tarifas.
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China, e as tarifas representam um grande aumento em relação aos 10% que haviam sido anunciados em abril.
A carta de Trump diz que a tarifa de 50% começará em 1º de agosto e será separada de todas as tarifas setoriais. A carta acrescentou que Trump instruiu o representante de Comércio dos EUA, James Greer, a iniciar uma investigação sobre o que ele chamou de práticas comerciais injustas do Brasil, particularmente sobre o comércio digital de empresas norte-americanas.
Na segunda-feira, Lula atacou Trump depois que o líder norte-americano ameaçou impor uma tarifa adicional de 10% sobre o grupo Brics de nações em desenvolvimento, que ele chamou de "antiamericano".
"O mundo mudou. Não queremos um imperador", disse Lula a repórteres quando perguntado sobre uma possível tarifa contra o Brics. "Somos nações soberanas", acrescentou Lula. "Se ele acha que pode impor tarifas, outros países têm o direito de impor tarifas também."
"CAÇA ÀS BRUXAS"
As tensões entre os Estados Unidos e o Brasil já haviam se intensificado mais cedo nesta quarta-feira, depois que o Itamaraty convocou o encarregado de negócios da embaixada dos EUA em Brasília para prestar esclarecimentos por causa de uma nota defendendo Bolsonaro.
"Jair Bolsonaro e sua família têm sido fortes parceiros dos Estados Unidos. A perseguição política contra ele, sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil. Reforçamos a declaração do presidente Trump. Estamos acompanhando de perto a situação", disse a embaixada.
A embaixada dos EUA em Brasília confirmou que seu encarregado de negócios, Gabriel Escobar, teve uma reunião com autoridades do Itamaraty, embora tenha se recusado a compartilhar detalhes sobre a conversa. O Itamaraty não respondeu a um pedido de comentário sobre o encontro.
Bolsonaro é réu em um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de tramar um golpe de Estado após perder a eleição presidencial para Lula em 2022. O ex-presidente também está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em casos separados ao que ele é réu no Supremo.
Falando a repórteres em um evento com líderes da África Ocidental na Casa Branca antes do anúncio das tarifas, Trump disse nesta quarta que o Brasil "não tem sido bom para nós, nada bom", acrescentando que as tarifas seriam baseadas em "fatos muito, muito substanciais" e no histórico passado.
Na segunda-feira, Trump havia dito em uma publicação em rede social que Bolsonaro era vítima de uma "caça às bruxas" -- termo também usado por ele para referir-se a si mesmo após o fim de seu primeiro mandato na Casa Branca.
Em uma publicação em rede social, Bolsonaro não mencionou Trump, mas disse que "é perseguido porque segue vivo na consciência popular".
IMPACTO NAS EXPORTAÇÕES DE ALIMENTOS
As tarifas impostas ao Brasil podem ter um impacto significativo nos preços dos alimentos nos Estados Unidos. Cerca de um terço do café consumido nos EUA, o maior consumidor mundial da bebida, vem do Brasil, que é o maior produtor mundial de café. As exportações anuais de café brasileiro para os EUA chegam a cerca de 8 milhões de sacas, segundo grupos do setor.
Mais da metade do suco de laranja vendido nos EUA vem do Brasil, que detém 80% do comércio global do produto. A potência agrícola sul-americana também vende açúcar, carne bovina e etanol para os EUA, entre outros produtos.
"Essa medida impacta não só o Brasil, mas toda a indústria de sucos dos EUA, que emprega milhares de pessoas e tem o Brasil como seu principal fornecedor há décadas", disse Ibiapaba Netto, diretor executivo da CitrusBR, associação brasileira da indústria de suco de laranja.
((Tradução Redação Rio de Janeiro))
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