Por John Kruzel e Andrew Chung
WASHINGTON, 30 Abr (Reuters) - Os juízes conservadores da Suprema Corte dos EUA demonstraram simpatia nesta quarta-feira por uma proposta, liderada por duas dioceses católicas, para estabelecer em Oklahoma a primeira escola religiosa pública financiada pelos contribuintes do país.
O caso -- que envolve uma escola "charter", um tipo de instituição que opera com mais autonomia do que as escolas públicas tradicionais -- é um grande teste de direitos religiosos e da separação entre igreja e estado na educação norte-americana.
Os organizadores da escola proposta e o conselho escolar estadual que apoia a ideia recorreram da decisão de um tribunal inferior, que bloqueou a criação da St. Isidore of Seville Catholic Virtual School. O tribunal considerou que a proposta de escola religiosa autônoma violaria os limites da Primeira Emenda da Constituição dos EUA quanto ao envolvimento do governo na religião.
As escolas charter em Oklahoma são consideradas escolas públicas pela lei estadual e recebem financiamento do governo estadual.
A Suprema Corte, que tem uma maioria conservadora de 6-3, reconheceu direitos religiosos mais amplos em uma série de decisões nos últimos anos. Uma das juízas conservadoras, Amy Coney Barrett, não participa deste caso.
A proposta de escola charter está sendo contestada pelo procurador-geral republicano do estado, Gentner Drummond. Mas o governador republicano de Oklahoma, Kevin Stitt, apoiou a ideia, assim como o governo do presidente republicano Donald Trump.
A St. Isidore, planejada como um esforço conjunto da Arquidiocese Católica de Oklahoma City e da Diocese de Tulsa, ofereceria ensino virtual do jardim de infância ao ensino médio.
Seu plano de integrar a religião ao currículo a tornaria a primeira escola religiosa charter dos Estados Unidos. A escola proposta nunca entrou em funcionamento devido a contestações legais à sua criação.
Gregory Garre, representando o gabinete do procurador-geral de Oklahoma, disse aos juízes que decidir a favor da St. Isidore "resultaria na regra surpreendente de que os estados não apenas podem, mas devem financiar e criar escolas religiosas públicas, uma reversão surpreendente dos precedentes consagrados deste tribunal".
O juiz conservador Brett Kavanaugh pareceu simpático à proposta da St. Isidore e pressionou Garre a explicar por que a exclusão da escola não seria considerada discriminação religiosa.
"Nossos casos deixaram bem claro -- e acho que esses são alguns dos casos mais importantes que já tivemos -- que não se pode tratar pessoas religiosas, instituições religiosas e discursos religiosos como de segunda classe nos Estados Unidos", disse Kavanaugh. "E quando se tem um programa aberto a todos, exceto à religião... isso parece discriminação grave contra a religião."
James Campbell, advogado do conselho de escolas charter do estado, disse aos juízes que o programa de escolas charter de Oklahoma permite que organizações privadas ofereçam mais opções educacionais aos alunos do estado "e capacita esses grupos a inovar, dando-lhes ampla autonomia sobre sua missão, currículo e operações". Impulsionadas pela engenhosidade privada, disse Campbell, essas escolas estão prosperando.
Campbell abordou a alegação do procurador-geral do estado de que a escola proposta faria parte do governo.
"Mas não é", disse Campbell. "A St. Isidore foi criada privadamente por duas organizações católicas e é controlada por um conselho de diretores selecionado por entidades privadas. Segundo o julgamento deste tribunal, a St. Isidore não é o governo nem está envolvida em ações estatais. Já existem centenas de famílias que se inscreveram na St. Isidore. Elas também fazem parte da comunidade de Oklahoma. Não devem ser tratadas como de segunda classe."
Campbell disse que Oklahoma tem dezenas de outras escolas charter com temas específicos, incluindo cultura nativa norte-americana, gestão ambiental e imersão em línguas estrangeiras. Campbell disse a Kavanaugh que apenas um tipo de educação parecia estar fora dos limites: religião.
O presidente do Supremo Tribunal, o conservador John Roberts, disse a Campbell que os casos de liberdade religiosa da Suprema Corte nos últimos anos envolveram benefícios estaduais limitados, como melhorias em parques infantis, mensalidades e créditos fiscais.
"Isso me parece um envolvimento muito mais abrangente", disse Roberts.
Drummond afirmou à Suprema Corte que o tribunal superior de Oklahoma classificou corretamente a St. Isidore como uma entidade governamental, visto que as escolas charter se qualificam como escolas públicas, observando que ambas são financiadas com recursos públicos e estão sujeitas à supervisão estadual.
Além disso, argumentou Drummond, a Suprema Corte já havia decidido anteriormente que os estados podem exigir educação laica em suas escolas públicas.
JUÍZES LIBERAIS LEVANTAM PREOCUPAÇÕES
Os juízes liberais do tribunal levantaram preocupações sobre as consequências do financiamento público de escolas religiosas públicas.
A juíza liberal Sonia Sotomayor disse que o conselho escolar estava fazendo uma leitura distorcida das duas disposições religiosas da Primeira Emenda: a "cláusula de estabelecimento", que restringe funcionários do governo de endossar qualquer religião específica ou promover a religião em detrimento da não religião, e a cláusula de "livre exercício", que protege o livre exercício da religião.
"Na verdade, o que você está dizendo é que a cláusula de livre exercício se sobrepõe à essência da cláusula de estabelecimento", disse Sotomayor a Campbell. "A essência da cláusula de estabelecimento era: 'Não vamos pagar líderes religiosos para ensinar sua religião.'"
A Primeira Emenda geralmente restringe o governo, mas não entidades privadas.
Michael McGinley, advogado da St. Isidore, disse que a cláusula de livre exercício "proíbe um estado de convidar partes privadas para participar de um programa de financiamento educacional, ao mesmo tempo que exclui aqueles que exercem sua fé".
"Mas é exatamente isso que a lei de Oklahoma faz aqui", argumentou McGinley.
Sotomayor também questionou se os contribuintes poderiam apoiar uma escola que, por exemplo, se recusasse a ensinar evolução ou a história da escravidão nos Estados Unidos, ou que excluísse crianças de outras religiões.
A juíza liberal Ketanji Brown Jackson pediu a John Sauer, procurador-geral dos EUA no governo Trump, que abordasse as preocupações com a cláusula de estabelecimento, incluindo "a preocupação de um estado de que, a menos que eles estejam criando uma série de programas não sectários, eles estariam financiando atividades religiosas de uma forma que a Constituição não permite".
Em junho de 2023, o conselho escolar de Oklahoma aprovou o plano de criação da St. Isidore em uma votação de 3-2.
O tribunal superior de Oklahoma, em uma decisão de 6-2 no ano passado, bloqueou a escola. Ele classificou a escola como uma "entidade governamental" que atuaria como "substituta do estado no fornecimento de educação pública gratuita, como qualquer outra escola charter patrocinada pelo estado", e decidiu que a proposta violava a cláusula de estabelecimento.
A decisão do Supremo Tribunal Federal é esperada para o final de junho.
Barrett, que se recusou a participar do caso, é ex-professora da Faculdade de Direito de Notre Dame, que representa os organizadores da escola.
(Reportagem de John Kruzel)
((Tradução Redação São Paulo))
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