
Por Marcelo Teixeira e May Angel
NOVA YORK, 30 Out (Reuters) - Torrefadoras de café nos Estados Unidos estão esgotando rapidamente seus estoques enquanto aguardam o resultado das negociações comerciais em andamento entre os EUA e o Brasil, negociações que podem determinar se terão de pagar preços muito mais altos por fontes alternativas de café.
O café brasileiro, responsável por um terço dos grãos consumidos pelo maior consumidor de café do mundo, está fora do mercado norte-americano desde agosto, quando o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, impôs uma tarifa de importação de 50% sobre os grãos do Brasil (link), em um caso que misturou comércio com política.
Trump tem acusado o Supremo Tribunal Federal do Brasil de tratamento injusto a seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A tarifa comercial sobre o café, entre outros produtos brasileiros, foi amplamente vista como uma punição ao governo do presidente brasileiro de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, sucessor de Bolsonaro. Bolsonaro foi posteriormente considerado culpado (link) de organizar um plano de golpe.
Até agora, a pesada tarifa causou estragos na indústria cafeeira norte-americana, avaliada em US$ 340 bilhões, deixando importadores com carregamentos de café brasileiro retidos, torrefadoras pagando taxas para cancelar entregas e consumidores gastando até 40% a mais por seu café matinal.
Espera-se que os estoques estejam em níveis mínimos até dezembro, aumentando a pressão sobre as torrefadoras e as redes de cafeterias para encontrar substitutos a preços que ainda lhes permitam algum lucro.
Algumas torrefadoras tiveram que pagar a tarifa de 50% sobre remessas de café brasileiro que já estavam reservadas quando o novo imposto de importação foi anunciado. Outras estão enviando café destinado aos Estados Unidos para outros países para evitar as tarifas.
"O problema dessa tarifa é que ela não tem nada a ver com reciprocidade ou comércio, é punitiva, política e pessoal. É uma questão entre Trump e Lula", disse Steven Walter Thomas, proprietário da importadora norte-americana Lucatelli Coffee. "Quem paga sou eu — eu e meus clientes."
REDIRECIONANDO O FORNECIMENTO PARA O CANADÁ PARA EVITAR TARIFAS DOS EUA
A Lucatelli Coffee carregou US$ 720.000 em café brasileiro quando a nova tarifa já estava em vigor.
Quando o café chegou, a empresa o armazenou em Jacksonville, Flórida, em um depósito alfandegado, onde a carga pode ser mantida temporariamente sem incorrer em impostos de importação. Mas se a Lucatelli decidir vendê-lo nos EUA, o imposto de importação de 50% será devido.
Thomas, cujos clientes incluem redes de restaurantes de médio porte, como a Brooklyn Water Bagel Company da Flórida, disse que está enviando parte desse café brasileiro para o Canadá, arcando com altos custos adicionais de transporte, mas evitando a tarifa norte-americana de 50%.
"É um dilema: esperar e torcer por um acordo comercial ou sofrer grandes perdas na logística para redirecionar o café para fora dos Estados Unidos", disse ele.
O aumento dos custos também está afetando a maior rede de cafeterias do país, a Starbucks SBUX.O; as margens da empresa se contraíram acentuadamente (link) em seu trimestre mais recente, devido em parte aos altos custos do café, que, segundo a presidente-executiva Cathy Smith, "continuarão sendo um obstáculo pelo menos durante meio ano".
ALTERNATIVAS CARAS
Diversas torrefadoras norte-americanas chegaram a um acordo para cancelar pedidos de café brasileiro, disse um comerciante no Brasil que trabalha para uma empresa alemã de comércio de café, e que pediu para não ser identificado devido a uma cláusula de confidencialidade em seu contrato comercial.
Segundo ele, a taxa que tinham de pagar para cancelar esses contratos rondava os US$ 20 a US$ 25 por cada saca de 60 kg (132 lb) de café, que atualmente vale cerca de US$ 515,00, sem incluir as tarifas.
Com isso, as torrefadoras evitaram a pesada tarifa de importação de 50% sobre uma carga que custa cerca de US$ 250.000 por contêiner, mas acabaram sem café.
"Temos estoque, mas está acabando rápido", disse Michael Kapos, executivo de vendas e marketing da Downeast Coffee Roasters em Rhode Island, que fornece para pequenas e médias redes de cafeterias e supermercados na Costa Leste dos EUA.
A Downeast Coffee Roasters foi uma das empresas que conseguiu cancelar alguns pedidos, mas não todos.
Os termos do contrato estipulam que o comprador é responsável por quaisquer custos adicionais, como tarifas alfandegárias, que tenham sido impostos após a formalização do negócio. Ambas as partes precisam concordar antes que um contrato possa ser cancelado, o que pode ser difícil se a carga já tiver sido embarcada.
A empresa está degustando outros cafés que poderiam substituir os grãos brasileiros em seus blends, disse Kapos, mas que custariam mais.
Os preços de alternativas ao café brasileiro, incluindo grãos colombianos, mexicanos ou centro-americanos, subiram até 10% desde que os EUA anunciaram a tarifa (link) em 9 de julho, devido ao aumento da demanda, enquanto os preços do café brasileiro caíram cerca de 5%.
Torrefadoras norte-americanas estão evitando ao máximo os grãos brasileiros, disse um comerciante de café europeu que trabalha para uma grande empresa comercial internacional, e que também pediu para não ser identificado.
"Vemos, é claro, menos café saindo do Brasil e indo para os EUA, isso é muito claro, e as torrefadoras estão usando todos os sacos que têm", disse o comerciante.
O CAFÉ ESTÁ AUMENTANDO A INFLAÇÃO NOS EUA
Os preços do café no varejo nos EUA têm aumentado constantemente desde o ano passado, quando os preços globais do café subiram 70%, e devem subir ainda mais devido à escassez de oferta.
Os preços do café moído e torrado em supermercados nos EUA aumentaram 41% em setembro em comparação com o ano anterior, para uma média de US$ 9,14 por libra, segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho, ajudando a alimentar a inflação local de alimentos.
Parte desse aumento de preço está relacionado ao aumento dos preços de referência do café devido à escassez de oferta causada pela menor produção após problemas climáticos, e parte se deve às tarifas.
Futuros de café arábica (link) na bolsa ICE KCc1 foram negociados recentemente perto de sua máxima histórica.
Os consumidores já perceberam.
"Já não me importo muito com as marcas. Estou atrás das promoções", disse Sherryl Legyin, 52, caixa de supermercado de North Bergen, Nova Jersey, enquanto examinava os produtos na seção de cafés de um supermercado em um recente dia de outubro.
"Gosto deste", disse a agente de viagens Yasmin Vazquez, de 40 anos, mostrando um pequeno pacote de café instantâneo Nescafé. "Antes custava US$ 6 ou US$ 7, mas agora está sendo vendido por US$ 11. E parece que ficou menor", acrescentou.
Os operadores acreditam que o nível dos estoques nos EUA ficará crítico por volta de dezembro.
"Acho que eles têm cerca de 4 milhões de sacas agora. Em dezembro, serão de 2,5 a 3 milhões, o que está próximo dos níveis mínimos", disse o operador europeu.
Os Estados Unidos utilizam cerca de 25 milhões de sacas de 60 quilos por ano, e o Brasil normalmente fornece cerca de 8 milhões dessas sacas.
O presidente do Brasil, Lula, disse esta semana (link) estar otimista quanto às perspectivas de um acordo comercial com os EUA, e acrescentou que isso poderia acontecer "mais rápido do que qualquer um imagina".
Trump, no entanto, disse: "Não sei se alguma coisa vai acontecer, mas veremos".
Entretanto, o preço de uma xícara de café nos EUA provavelmente continuará alto.