
KIEV, 25 Jul (Reuters) - Durante um impulso fundamental da Ucrânia para retomar território da Rússia em finais de Setembro de 2022, Elon Musk deu uma ordem que perturbou a contra-ofensiva e prejudicou a confiança de Kiev no Starlink, o serviço de internet via satélite que o multi-milionário forneceu no início da guerra para ajudar os militares ucranianos a manter a conectividade no campo de batalha.
Segundo três pessoas familiarizadas com a ordem, Musk disse a um engenheiro sénior dos escritórios californianos da SpaceX, empresa de Musk que controla a Starlink, para cortar a cobertura em áreas como Kherson, região estratégica a norte do Mar Negro que a Ucrânia estava a tentar recuperar.
"Temos de fazer isto", disse Michael Nicolls, engenheiro da Starlink, aos seus colegas quando recebeu a ordem, segundo uma dessas pessoas. Os funcionários acataram a ordem, disseram as três pessoas à Reuters, desactivando pelo menos uma centena de terminais Starlink, com as suas células em forma de hexágono a ficarem escuras num mapa interno da cobertura da empresa. A medida também afectou outras áreas tomadas pela Rússia, incluindo parte da província de Donetsk, mais a leste.
Após a ordem de Musk, as tropas ucranianas enfrentaram subitamente um apagão nas comunicações, segundo um responsável militar ucraniano, um conselheiro das forças armadas e duas outras pessoas que enfrentaram a falha do Starlink perto das linhas da frente. Os soldados entraram em pânico, os drones que vigiavam as forças russas ficaram às escuras e as unidades de artilharia de longo alcance, que dependiam do Starlink para apontar o fogo, tiveram dificuldade em atingir os alvos.
Como resultado, segundo o responsável militar ucraniano e o conselheiro militar, as tropas não conseguiram cercar uma posição russa na cidade de Beryslav, a leste de Kherson, o centro administrativo da região com o mesmo nome. "O cerco foi totalmente paralisado", disse o responsável militar numa entrevista. "Falhou".
Por fim, a contra-ofensiva da Ucrânia conseguiu recuperar Beryslav, a cidade de Kherson e algum território adicional que a Rússia tinha ocupado. Mas a ordem de Musk, que não foi relatada anteriormente, é o primeiro caso conhecido do multi-milionário a desligar activamente a cobertura Starlink sobre um campo de batalha durante o conflito. A decisão chocou alguns funcionários da Starlink e reformulou efectivamente a linha da frente dos combates, permitindo a Musk tomar "o resultado de uma guerra nas suas próprias mãos", disse outra das três pessoas.
O relato do ordem contraria a narrativa de Musk sobre como ele lidou com o serviço Starlink na Ucrânia durante a guerra. Ainda em Março, numa publicação no X, o seu site de redes sociais, Musk escreveu: "Nunca faríamos tal coisa".
Musk e Nicolls não responderam aos pedidos da Reuters para comentar.
Um porta-voz da SpaceX disse por e-mail que a reportagem da agência de notícias é "imprecisa" e encaminhou os repórteres para uma publicação do X no início deste ano, no qual a empresa disse: "A Starlink está totalmente empenhada em fornecer serviços à Ucrânia". O porta-voz não especificou quaisquer imprecisões nesta notícia ou respondeu a uma longa lista de perguntas sobre o incidente, o papel da Starlink na guerra da Ucrânia ou outros detalhes sobre o seu negócio.
O gabinete do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, e o Ministério da Defesa do país não responderam aos pedidos de comentário. A Starlink continua a prestar serviços à Ucrânia e as forças armadas ucranianas dependem dela para alguma conectividade. Zelenskiy, ainda este ano, expressou publicamente a sua gratidão a Musk pela Starlink.
Não está claro o que motivou a ordem de Musk, quando exactamente ele a deu, ou exactamente quanto tempo durou a interrupção. As três pessoas familiarizadas com a ordem disseram acreditar que ela decorreu de receios que Musk expressou mais tarde de que os avanços ucranianos poderiam provocar retaliação nuclear da Rússia. Uma das pessoas disse que o corte ocorreu a 30 de Setembro de 2022. Os outros dois disseram que foi por volta dessa data, mas não se lembraram da data exacta. Alguns altos responsáveis norte-americanos partilhavam os receios de Musk de que a Rússia cumpriria as ameaças de escalada, disse um ex-funcionário da Casa Branca à Reuters.
Texto integral em inglês: nL1N3TI0SJ